Estamos maratonando: Treta, da A24, na Netflix

Quem curte filmes que tem algo diferente para oferecer ao público possivelmente conhece o trabalho da produtora A24, que tem trazido produções como Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, atual longa vencedor do Oscar. Dentre outros trabalhos da A24 espalhados por aí, chegou recentemente no catálogo da Netflix a série Treta (Beef, 2023), que, assim como nos filmes, detém em sua história elementos que certamente vão causar sensações diferentes do habitual em quem assiste (clique aqui para assistir, se você for assinante do serviço).

Criada por Lee Sung Jin, a série mostra o desfecho de um desentendimento no trânsito entre dois desconhecidos. Danny Cho (Steven Yeun) é um empreiteiro frustrado e falido que bate de frente com Amy Lau (Ali Wong), uma empresária batalhadora com uma vida idílica.

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Por que Treta vale a maratona?

A forma como a história se desenrola é um dos grandes diferenciais desta produção, fugindo do óbvio ao aprofundar seus personagens e retratar o cansaço, esgotamento e falta de perspectiva da sociedade atual.

Amy é uma bem-sucedida empresária mas que esconde dentro de si muita frustração e insatisfação com seu relacionamento com George (Joseph Lee), uma vez que o marido, um artista encostado, não assume o comando do lar em diversos aspectos que Amy julga necessário. De quebra, ela precisa lidar com a falta de tato com a filha (que prefere o pai, sempre em casa enquanto a mãe só trabalha) e a aversão da sogra para com ela.

Já Danny, que mora a duras penas com seu irmão Paul (Young Mazino), passa por problemas semelhantes, com o agravante de que ele está sempre metido em negócios mal resolvidos financeiramente, os quais só contribuem para que ele fique cada vez mais afogado em dívidas e dependente de favores e negociatas com seu primo Isaac (David Choe), figura que o leva pra longe da legalidade constantemente.

Outra coisa que chama atenção neste personagem é o seu tradicionalismo, apesar de ser uma pessoa consideravelmente jovem. Ele censura seu irmão por sair com garotas não coreanas, e está fazendo tudo que julga necessário para comprar uma casa ideal para seus pais poderem viver o resto da vida tranquilamente. Isso depõe totalmente contra seus atos se levarmos em conta que uma pessoa conservadora, em tese, preza por valores morais imaculados.

Talvez esse zelo pela tradição sirva pra expor o medo do personagem em viver sozinho, sem ter cumprido suas pretensas missões (prover para a família). Neste ponto podemos refletir também sobre algum conflito de classe, já que Amy, a outra protagonista, também passa pelos mesmos problemas: negligenciar a si mesmo para cuidar dos seus.

A dinâmica narrativa segura bem a maratona e, quando nos afeiçoamos de vez aos personagens, a série nos fisga de uma vez por todas, de um modo que passar pelo dez episódios não será dificuldade alguma – até porque não são capítulos muito longos. E pode esperar por muitas reviravoltas na trama, que vai muito além de uma simples discussão de trânsito com proporções catastróficas a longo prazo.